Há o momento em que percebemos o quanto nossas raízes extrapolam o tempo e o espaço.
Meu sobrinho disse, no dia da minha viagem pra cá: "Parece que quem a gente ama sempre precisa partir"... uma frase bastante reflexiva e triste para uma criança de 9 anos, que estava diante de mais uma despedida, dentre as diversas vividas por ele durante estes poucos anos. Se ele, com esta idade, presenciou o divórcio dos pais, o meu namoro de 5 anos e a separação de seus avós, imagina o quanto nós adultos, pudemos assistir?!
A verdade é que estamos em movimento, em constante transformação. Nossas escolhas mudam com o tempo: haverão sempre amigos para ir e vir, coleguismos que durem o instante de uma colônia de férias, paixões que se diluam em um mês e meio, outros amores que nos arrasem por anos... mas a família, esta a gente leva em si nem que seja no jeito, no reflexo do espelho, nos costumes intrínsecos, aprendidos quase sem perceber.
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Recentemente a Universidade de Connecticut, nos EUA comprovou que, quando na infância, alguns rompimentos geram não só sofrimento emocional mas extrapolam causando uma dor física. Não é preciso ciência alguma para saber que certos laços são mais especiais que outros, mas a gente aprende aos poucos -e não sem dor-, que a sua hora, tudo pode voltar ou simplesmente se solucionar.
É pena que a gente só aprenda isto já com alguma idade.
Eu por exemplo, neste novo ambiente -longe de casa-, procuro lembrar como era o carisma iluminado da minha irmã Ana Kassia ao lidar com as pessoas; tento reproduzir aquilo que lembro das receitas (quase desastradas) da minha mãe Eliana na cozinha; repito sozinha as falas das brincadeiras que o meu sobrinho Lipe coordenava como se fosse o próprio diretor das cenas, e rememoro a risada gostosa de todos eles, percebendo que até nas desavenças com meu irmão, houve algum ensinamento divino de compreensão e respeito as diferenças.
A família se mostra em mim quando me defronto com o espelho e percebo algum traço genético que até me incomoda, mas reafirma a minha origem, ou quando perguntam a mesma coisa que diziam ao meu pai sobre o cabelo que dele herdei: "-É tão preto que parece pintado".
A família se apresenta ao meu acordar, pensando ter ouvido a voz da minha mãe que desde que me lembro às 7 horas dizia meu nome insistentemente "Clara, Clara, Clara!". A família me é quando a saudade bate e mesmo a muitas milhas de distância, o amor conforta, a lembrança apraz e a lágrima se conjuga docemente ao riso, confortado em saber que estão todos bem, ainda que não perto.
Então é fato que todos aqueles que passam nos marcam leve ou profundamente. Como duas folhas de papel que coladas, despedaçam mais ou menos ao separar, dependendo do tempo que ficaram unidas. E acreditando nisso, me contento em saber que se sinto esta presença, é porque também estou do lado de lá e espero que seja também assim tão positivamente.