30 de nov. de 2016

Telefonema

 Hoje eu senti um misto de bem e mal estar ao conversar com meu pai via chama de video e perceber o quanto ele envelheceu. Nós nos falamos todos os domingos por telefone, há anos, mas não nos vemos também há muitos anos. Tempo suficiente para que eu tivesse ignorado o tempo pintando seus cabelos, enrugando sua face e transformando aquele homem que eu lembrava sempre tão bem vestido e cheiroso, em um senhor de sessenta e poucos anos, com cara de vovô e não mais de pai garanhão.


Na conversa deixamos escapar algumas lágrimas, que rolaram por associar a voz que semanalmente ouvimos, a imagens que não eram mais aquelas de dez anos atrás. Ele falou como eu estou bonita, chamou-me de um dos diversos apelidos que só ele me dá e eu tentava engolir a surpresa assustadora de vê-lo tão mais velho. Falamos sobre os meus primeiros fios brancos também, que decidiram passar de um, que me surpreendeu bem no topo da cabeça aos 25 anos, a três, de repente, na mesma semana em que completei 26!

Foi um alerta pontual de que eu não sou mais assim tão jovem e um lembrete definitivo de que daqui pra frente tudo em mim e ao meu redor pode começar a parecer menos fácil. Porque sempre me pareceu ótimo envelhecer, do ponto de vista que ficamos mais experientes, mais vividos, maduros. Mas eu não contava com as linhas de expressão fincando traços no meu rosto. Não lembrava que ao passar do tempo meus pais também envelheceriam... não podia prever que veria minha mãe ficando cansada um dia. E como se reage a isto?

Eu realmente sofri hoje, um misto de bem e mal estar. Porque vi no meu pai o rosto de uma pessoa que eu associei ao melhor homem do mundo, mesmo tendo sido ele o pior de todos com a mulher que eu mais amo na vida. Eu fiquei triste por ver ali um homem que fez coisas erradas, que não teve o melhor destino que a vida poderia lhe dar, mas senti um bem em ter amor por ele e simplesmente amá-lo sem motivos além do reconhecimento claro nos olhos daquele que me deu a vida sem mesmo antes me conhecer.

O bem estar foi devido a sensação de colo reconfortante de reconhecer um amor mesmo que a distância, mesmo que um amor turbulento, cheio de contradições, cheio de motivos para não amar, mas resistente, intuitivo, instintivo, definitivo... O bem estar foi devido ao fato de saber que estão bem aqueles a quem devo a vida, seja literal, emocional ou poeticamente.

 E ao mesmo tempo o mal estar veio dilacerando o peito junto ao medo do que vem depois da melhor idade dos meus pais e o peso da realidade que quando crianças fechamos os olhos para não ver: o tempo voa e leva consigo nossa mocidade.


Ana Clara Campelo,
Londres, 30/11/2016

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