João Filgueiras Lima, o Lelé, afirma que não há arquitetura desvinculada de questões ambientais
por Rafael Frank, para AU (Pini)
Arquiteto reconhecido pelo aproveitamento de sistemas naturais antes mesmo da "onda" da sustentabilidade afirma que, mais do que necessidade de preservação de recursos, essas questões eram encaradas como uma forma de humanização dos projetos
"Não existe trabalho de arquitetura sem considerar as questões ambientais".
Esta foi a primeira frase do consagrado arquiteto João Filgueiras Lima, o Lelé durante conversa com a reportagem da PINIweb pouco antes de receber homenagem na categoria "Reconhecimento Setorial" do Prêmio PINI, evento de premiação realizado em 22 de outubro aos melhores fornecedores do setor da construção.
Lelé criticou os baixos investimentos na arquitetura brasileira, falou sobre a arquitetura de Dubai (emirados Árabes) e contou um pouco de sua trajetória profissional. Confira.
O senhor tornou-se reconhecido pela composição de projetos com aproveitamento de sistemas naturais. Como esse trabalho começou?
"Não existe trabalho de arquitetura sem considerar as questões ambientais. Aprendi muito com o Oscar [Niemeyer] sobre a relação com o espaço, com o entorno. Ele é minha grande inspiração, absorvo a arquitetura dele dentro da minha competência, mas não vou imitá-lo. Se fizesse isso, seria uma espécie de caricatura.
A idéia de priorizar sistemas naturais começou com meu trabalho no ambiente hospitalar. Você precisa humanizar esses locais. Por exemplo, a luz artificial é um problema. Há 30 anos, não se pensava em sustentabilidade e não havia problema de fornecimento energético. Era uma questão de humanização do projeto. Já a climatização por meio de ventos foi uma forma de controlar a infecção hospitalar.
No projeto que a Rede Sarah Kubitscheck está executando no Rio de Janeiro utilizamos sistemas complementares. Investimos muito em sistemas mecatrônicos e computadorizados para que o ar-condicionado e a ventilação natural trabalhassem juntos. Não há como prescindir dessa necessidade em uma cidade como o Rio. A tecnologia é um instrumento, não há arquitetura sem estética ou beleza."Como encara a onda da sustentabilidade?
"Eu continuo trabalhando da mesma forma que sempre trabalhei. Já trabalhava as questões ambientais, de humanizar. Quando me formei em arquitetura, dava-se muita importância ao sol, à ventilação natural. Acho que depois da guerra houve um funcionalismo que perdeu essas características. Hoje, essas questões estão voltando e as pessoas pensam que estou nisso."
Há alguma inspiração para os seus projetos?
Eu faço muita recorrência nos meus trabalhos. Você encontra muita coisa assim, o arquiteto vai se aprimorando. Na área hospitalar isso é muito forte, não dá para criar todo dia e há especificações. Um centro cirúrgico não será modificado por um arquiteto, mas pelo avanço da medicina.
Dubai anuncia frequentemente novos empreendimentos, alguns até mesmo questionáveis. Qual sua visão sobre a arquitetura que está se praticando nos Emirados Árabes?
"Dubai executa diversas proezas pelos altos investimentos que são realizados na cidade. Há bons projetos e bons arquitetos no local. Há diversas proezas arquitetônicas, mas isso também não significa que seja uma boa arquitetura. Não há problema na proeza, mas sim em como é feita. Por exemplo, a Ópera de Sidney se transformou em um ícone internacional que representa a Austrália. O mesmo ocorre na ponte Golden Gate, na baía de São Francisco (EUA). A Cidade da Música, no Rio de Janeiro, é outro projeto muito interessante. Só que para isso, são necessários altos investimentos. Nenhum desses projetos teria a dimensão que possuem, se o orçamento fosse cortado pela metade. Se isso ocorre, há descaracterização do conceito do arquiteto ou a execução é ruim.
O Brasil investe pouco em projetos inovadores, são raros os prédios que recebem esse tipo de atenção. Os governos europeus investem em obras e oferecem a possibilidade para que os arquitetos executem projetos importantes. Os projetos de arquitetura são projetos obras de arte, marcam a cultura e o momento.
A fundação Guggenheim aposta nisso, basta observar o Museu Guggenheim Bilbao. O acervo do museu não é grande, cheguei a ver uma exposição de motos. O prédio virou um ícone, chega a chamar mais a atenção do que as obras que abriga e expõe. A cidade é pequena, não havia grandes atrativos no local até que o prédio ganhasse destaque. Hoje, é um centro de referência cultural na Europa. A arquitetura do museu tem grande responsabilidade nisso. O país precisa reconhecer essa questão."
Publicado originalmente (sem as imagens aqui inseridas) na revista AU (Pini), outubro de 2008.
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