Nunca fui uma pessoa corajosa. Pelo contrario: basta me ver pessoalmente e voce rapidamente chegara a conclusão de que é evidente que tenho medo de pessoas. Essa característica sempre me acompanhou, mas eu não me aprofundarei agora nas raízes desse drama.
Curioso é lembrar que coisas como filmes de terror, festas temáticas, palhaços e bruxas que costumavam assustar as crianças não me assustassem. Eu tinha medo de gente! Na infância, um tio me causava pavor pelo seu aspecto mal curado e se aproveitava disso para me fazer chorar. Ele corria atras de mim dizendo "eu sou o bicho" e fazia sons de animal desgovernado. Um certo ano, me deu de presente de aniversario o boneco do Chuck (personagem de filme de terror da minha época), mas acreditem: eu gostava do boneco, mas temia o tal do remetente.
Talvez eu soubesse que os objetos são passivos e as pessoas passiveis. No fundo, eu compreendia que os objetos são manipuláveis, as fantasias vestíveis, os filmes são tendenciosos e irreais, mas as pessoas... essas sim, são imprevisíveis!
Ainda tenho medo de gente e estou prestes a chegar na metade dos 30 e poucos. As pessoas continuam sendo incompreensíveis, ainda mais depois de passar por tantos países e perceber sempre mais que a cultura se entrelaça ao caráter e às atitudes de forma cardinal. é preciso conhecer de modo profundo essas raízes para saber o que prever de um individio. Pode ser por isso e pela vontade de vencer essa sombra que se funde em mim no contrato com o outro, que nos últimos anos fiz cursos de tipos físicos, psicanalise, sintomologia, temperamentos... e sempre mais tento entender também, meu proprio funcionamento.
Acho interessante notar como cada ser animado tem gatilhos e sombras quase nítidos aos olhos de um espectador atento, mas as vezes o proprio agente passa anos sem se dar conta desses condicionamentos.
Eu gosto de escrever sobre meus medos e vivencias desde que me entendo por gente. Isso me permite hoje reler o meu passado e ver de modo mais claro os nódulos nas minhas relações. Encurvar-me para escrever em meus diários sempre foi meu hiper-focus e também foi através desse habito que descobri (ou desenvolvi) uma grave escoliose, dores nas mãos que me seguem desde a adolescência, ombros tesos e hipo-sensibilidade muscular. Quer dizer, essa pratica de virar-me para dentro também é um modo de me me conhecer, mas também de me distanciar das pessoas. Paradoxalmente, me conheço mais e conheço menos o "outro". Tento me curar da minha fuga e fujo, criando outros sintomas.
De qualquer modo, a intenção do texto de hoje era falar sobre o ato de olhar para as próprias dificuldades. Eu, ao longo dos anos, não sabia exatamente que as pessoas me assustavam tanto. Não compreendia porque o olhar nos olhos e o interesse pelas noticias de jornal e cultura popular fossem tão necessários para a "sobrevivência" em sociedade. Eu não me interessava minimamente em participar, compartilhar e levar para frente certas coisas que não tivessem origem em mim mesma. Eu queria ser "eu", mas o ego precisa do contato para existir e se fortalecer.
Era (é) a minha sombra. Um hipotético autismo, refutado por psiquiatras que julgam ser, o meu, um jeito de ser formado por um trauma profundo. Um jeito de ser muito introvertido e emotivo, profundo e intenso, justificado também, pela astrologia. Mas faz parte de mim. Independente de quem e de qual diagnostico chegue. O que importa é que, uma vez reconhecido -podemos viver sem títulos diagnósticos-, talvez eu possa manipular aos poucos esse complexo para me sentir mais integra e respeitada.