Lembro-me uns anos atrás, num daqueles datings que deviam ser românticos mas que se olharmos por outras perspectivas são quase como entrevistas de emprego. A pessoa te analisa esteticamente, observa tua postura, te pergunta coisas pessoais, quer saber dos teus sonhos, o que te inspira e a gente fica se segurando pra não ser quem é, temendo responder com sinceridade e não agradar...
Eu nunca me dei bem com flertes e esses encontros às cegas. Eu só dava certo com meus amigos. Porque eu não gosto de improvisar, e nem só não gosto como não consigo. Sou seria demais para fazer o que não condiz. Meu compromisso é comigo.
Então, eu estava num restaurante com o dito cujo, que visivelmente era de uma classe social superior a minha e estávamos lá, só os egos, numa entrevista genial em que ninguém se ouvia (e pior: ninguém se sentia).
Provavelmente não consegui fingir costume com os nomes dos pratos, com os termos que ele usava pra falar das suas incontáveis viagens, mas fiz força para ignorar que eu não seria a princesa super woman, fitness, formada em Harvard, cozinheira gourmet sexy sem ser vulgar para apresentar pra mamãe que ele gostaria.
Eu tinha na verdade tendência a uma vida bem natureba e na época tinha um blog que incentivava as pessoas a comprarem no “formigão” (RB), nunca tinha cruzado na vida com um batom da MAC 3 e não saberia nem ligar o celular dele porque nunca tinha visto de perto um iPhone.
Ta bom, eu não era pobre, eu só levava um estilo de vida diferente. Era uma classe média baixa, vai... mas ao mesmo tempo que sentia muito estupida naquela conversa toda, queria ter uma prova do que eu poderia aprender com aquela situação.
Eu gostava tanto de espiritualidade, mas ele é quem tinha ido pra Índia e me falava dos rituais, da paz, do não sei o quê... E aí, em meio a um vinho que eu não saberia deduzir porque custava tão caro e outro, ele me perguntou qual era a minha viagem dos sonhos.
Tenho certeza de que ele não tinha prestado atenção nas outras respostas. Assim como eu; provavelmente acenei com a cabeça positivamente aprovando qualquer tolice que ele tivesse falado, afinal estávamos flertando e existia ali qualquer interesse velado.
ok. Ele me perguntou pra onde eu gostaria de ir no futuro. Ele que me conhecia há dois dias e já estava planejando comprarmos um cachorro de raça e viajar de lua de (ainda nem tinha um beijo envolvido na história)...
Eu já tinha viajado umas vezes. Pra Brasiléia, pra Porto Velho, Natal, Salvador e Cobija, na Bolívia. Todas tinham sido viagens com a família, eu era jovem, nunca tinha me aventurado de verdade.
Não soube responder. Porque eu nem sequer tinha feito uma viagem de verdade pra dentro de mim ainda, e achava injusto escolher um lugar do mundo só pela beleza que uns importantes lá disseram que tem! Entende isso? As cidades mais incríveis são uma convenção, ok, muitos concordam que são lindas, mas é preciso experiência (não de um dia) para realmente valorizar uma coisa.
Pra não ficar chato, respondi Paris. Afinal se eu respondesse “queria viajar pra dentro de mim pra me conhecer melhor” ia ficar muito fora de contexto. Eu ia parecer uma hippie; sei lá.
Paris devia ser legal. Eu gostava de croissants e tinha um souvenir da torre Eiffel em casa.
O encontro se repetiu outras três ou quatro vezes, porque não raro, a gente tende a ignorar a intuição e insiste no que aparentemente (pelo que dizem as regras da nossa society) devia dar certo.
O cara é bonito, inteligente, tem grana e tá interessado. Não importa se ele não te vê, se fala só de si, se com certeza não vai buscar te fazer feliz na cama, mas vai te pagar um jantar. Não importa se você não sente a presença dele, mas já sabe todo o currículo decorado.
O que importa é o fora?!... a aparência. O...
Não faz sentido pra mim o que não me faz SENTIR.
Deixei.
Do mesmo jeito que a entrevista de emprego analisa a lista de anos que você levou estudando para chegar ali, a “entrevista de namoro” analisa o quanto você se encaixa na lista de exigências daquela pessoa lá.
Ele também não se enquadrava nas minhas. E eu era menos rigorosa: queria um cara positivo que eu fosse capaz de ver a “essência”. Nessa não deu.
Eu não consegui fingir por muito tempo que admirava o quanto ele era perfeito para um comercial de margarina mas não para uma conexão de alma.
Dois anos depois eu estava com alguém mais simples e mais enquadrado no que eu buscava como companheiro. E eu que não planejava visitar muitos lugares além de mim, tive a surpresa de receber de presente uma viagem a Paris.
Cheguei lá arrasada pelo cansaço da viagem/ o frio pra uma nortista brasileira como eu era demais/ eu só queria hibernar!! 🥱💤😂
Mas quem viaja pra França para dormir num quarto de hotel enquanto o Senna corre sem poder voltar?
Eu saí, buscando a emoção que todas as meninas criadas para ser princesas esperam vivenciar quando se deparam com um grande sonho. “Ai, meu Deus!Paris!” Custa caro chegar lá, então precisei forçar para compreender o torpor da gente que pira na ideia de sair do Brasil e não se delicia de orgulho falando das tradições culturais dos próprios antepassados.
Eu não sei. Sempre fui doida mesmo. Talvez não me expresso o suficiente (ainda bem) porque não é falta de estupor o que tenho, eu sou só sem graça as vezes e isso me faz um extra terrestre.
Subi na torre Eiffel. Detestei. Mas fui.
Fazia frio demais com um vento que não contribuía com o meu medo de altura. Eu juro, não cheguei nem perto de ver o panorama. Subi e fiquei grudada no corrimão perto do elevador, fazendo fotos de quem estava comigo.
“Que pobre. Ai... sem cultura!”
Como pode uma pessoa ir na torre Eiffel e não fazer uma foto? Não curtir a vista daquela cidade maravilhosa?
Você não sabe o quanto eu ouvi de críticas nesse dia. Mas eu era mesmo pobre desse tipo de experiência. E se um indivíduo tem medo de altura que chega a ter dores e travar os músculos, me diz o que se faz?
Eu não sabia o que fazer comigo. Queria ser legal, cool, blogueirinha, fingir costume. Mas eu estava era estressada.
Pra minha sorte, o dia foi salvo pelo Louvre. Não foi a Monalisa, não foi a Vênus de Milo, não foi a escultura amor e psique.
Achei que amante de arte, ia arrepiar em cada corredor daquele enorme templo, onde tanta história é contada em pinceladas e modelagens. Mas vocês sabem quanto tempo é preciso para visitar um museu como esse? Pra eu arrepiar, preciso de tempo, preciso de preliminar, preciso de contato com a obra.
Eu tinha umas duras horas antes que o Louvre fechasse e só podia entrar na fila para ver (de longe, com contenção, com um vídro no meio em uma sala lotada que superestima a deludente dimensão da) Monalisa.
Não sei te explicar. Talvez eu fosse uma rabugenta num corpo de criança com 25 anos. E estava ainda procurando o motivo de todo mundo amar tanto uma cidade que para turistas como eu, se conhece de passagem, em três dias, numa pressa que não permite ver de verdade a nada.
Mas fora do Louvre já estava noite. E eu vi aquela pirâmide. Aquela forma simples de vidro, dissonante com o suntuoso palácio que a cercava. Ela tocava leve e bruta o chão, refletindo o reflexo invertido intencional na estrutura de baixo, tocando o pavimento do andar inferior.
Meus olhos brilharam mais para aquilo do que para os quadros de Rembrandt.
Fiz questão de fazer uma foto com a pose de yoga na ponta do subsolo.🧘🏻♀️ Do lado de fora porém, o frio não me permitiu tirar (para disfarçar a falta de costume) os trinta layers de roupa que eu levava pra me aquecer e o flash do celular não perdoava meu nariz vermelho, inchado e já insensível a causa do frio congelante.
Fiquei só com a foto da pirâmide e da Lua. A pirâmide que fez valer a pena aquela minha primeira vez na França, porque serviu como a metáfora que eu precisava para justificar a minha falta de fremir para a cidade da meia noite de Van Gogh.
A pirâmide para mim, indicava o céu. E dentro do prédio, indicava a terra.
Num ponto entre os dois estava o eu. Nesse ponto estava o presente. Nesse ponto, ao qual não se olhava com atenção, estava a história, o percurso. Eu finalmente estava gostando de Paris, porque para gostar de algo, precisamos nos identificar, nos ver, ler uma língua compreensível. Ali, eu pensei: ok. Faz sentido. Começo a viagem agora, porque estou no plano da presença entre as duas pirâmides.
Céu, centro, terra. Espiritualidade, presença, materialidade.
Eu realmente não podia amar Paris conhecendo-a apenas em dois dias.
Escorpiana, profunda, intensa que sou no amor, não dava pra me apaixonar assim, tão raso, só porque alguém disse que era chique andar pela champs Elisee.
Não gostei de Paris a primeira vista. Era bonita, claro. Mas eu estava esperando o espetáculo dentro!
Precisei de outras amostras e com calma pra ver poesia nos arabescos de suas construções, precisei subir com presença à torre pra enfim fazer uma foto do panorama e até me apoiar no guarda corpo, vendo o céu mais de perto e o chão da cidade mais de longe.
Mas acho que só comecei a gostar porque depois daquela experiência de “meeting” onde eu respondi sem verdade, comecei a tentar fazer a viagem pra dentro. Pra dentro de mim.
E não aceitei mais encontros onde me perguntassem coisas não essenciais. E não me cobrei mais por não desmaiar de emoção ao ver algo que alguém supôs que devia tocar o coração. Porque eu não sou romântica assim... eu me surpreendo com coisas mais simples do que a torre Eiffel, como quando alguém lembra meu nome depois de cinco minutos de eu o ter falado pela primeira vez. Ou quando alguém parece estar distraído durante a conversa mas faz um coração com o guardanapo e torna ao assunto como se voltasse do transe com uma energia regenerada.
Eu não quero viver na expectativa de algo que disseram que é bom e me impede de sentir o que tenho no agora, agora, agora.
Talvez eu olhe com menos arrogância para tudo agora também. Mas foi por ter ido muito dentro que eu fiz dessa coisa difícil que sou eu, ver beleza fora e até no que é oposto, raso ou razoável - e ver beleza não quer dizer querer possuir, mas iniciar a respeitar - o próximo passo é a valorização.
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